Todo crente tem grande prazer em declarar que é um
servo(a) de Deus. Mas nem todos refletem nos privilégios que isto encerra, na
importância que isto confere e na responsabilidade que isto significa. O
privilégio do crente ser filho de Deus pela fé em Jesus é indizível, pois faz
parte da família de Deus.
A imensurável importância do crente como servo de
Deus, destaca-se ao considerarmos o fato de Cristo ser chamado de Servo de
Deus, (Is 42.1; 52.13 e Fp 2.7).
Precisamos contemplar a vida e o trabalho de Jesus
como Servo Modelo. Quanto à responsabilidade do crente como servo de Deus, está
a sua obediência irrestrita à vontade do Senhor. "Não servindo à vista
como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a
vontade de Deus", Ef 6.6.
O crente torna-se filho de Deus pela fé (Jo 1.12 e
Ef 2.8) e toma-se seu servo por amor. O tal obedece ao Senhor e para Ele
trabalha impulsionado pelo amor que de Deus recebeu e que para Ele retorna como
adoração, consagração, comunhão e serviço, uma vez que o amor sempre requer um
objeto para tornar-se ativo. Tal servo é o inverso do mercenário, que trabalha
apenas por lucro, interesse e conveniências pessoais.
Impressionante o fato por Deus dirigido, que na
promulgação da lei divina no monte Sinai, logo após o seu preâmbulo (Ex 20), o
primeiro assunto é o do servo (Ex 21). E servo por amor (v5), e por isso servo
"para sempre" (v6).
O conceito bíblico de servo vem do Antigo
Testamento e nele também está o conceito de redenção do servo ou escravo.
Esses dois lados de um mesmo assunto estão bem patentes no AT. Por outro lado,
a revelação divina de servo de Deus é vista através do Novo testamento, a
começar pelos ensinos de Jesus sobre servo, e daí prossegue até Apocalipse
22.3,6, onde a figura do servo aparece nas últimas palavras da Bíblia. Ainda
reportando-nos ao AT sobre os servos, no estupendo milagre divino do êxodo de
Israel, quando Deus com mão poderosa o resgatou do cativeiro egípcio, temos aí
o princípio fundamental do servo e seu serviço (Ex 6.6 e Dt 15.15).
Na exposição da doutrina do servo, o NT emprega
vários termos no original, sendo dois deles de maior peso. Os demais são
complementares.
O servo em relação ao seu Dono, Deus. Nesse caso o
termo é doulos, que aparece repetidamente no NT. É o servo em relação ao seu
Redentor e Senhor, para fazer a sua vontade; como propriedade, por Ele
adquirida. Alguns desses textos em que aparece o servo como doulos (Mt
25.21,23; 20.27; At 2.18; Rm 1.1 e Fp 1.1, a idéia, não o terno propriamente dito,
está patente em muitas outras passagens como Êxodo 15.16; 19.5; Mt 20.28; Atos
20.28; Hb 9.28; Ef 1.7; l Co 6.20;
I Pedro 2.9 e Apocalipse 5.9.
O servo em relação ao seu trabalho para Deus, o
terno original é diakonos; isto é, servo em relação ao trabalho
que executa para seu senhor. Trabalho abundante, de bom gosto, boa vontade,
prazeroso, bem acabado, no prazo determinado e conforme as ordens recebidas.
Crentes há que em relação ao Senhor - como amo - são exemplos de testemunho,
firmeza, perseverança, comunhão, adoração. Mas quanto a serviço para Deus são
negligentes, descuidados, desorganizados, improvisadores e irreverentes.
Nos dias bíblicos o servo era como diakonos, que na
casa do seu senhor executava todos os trabalhos, inclusive os mais humildes e
comezinhos, como levar e trazer recados, cuidar da copa, da cozinha, dos bens
de seu senhor, animais domésticos, rachar lenha, manter o fogo aceso, tirar
água e carregá-Ia para a família. Alguns principais textos em que aparece o
servo como diakonos no original (Mt 20.26,28; l Tm 4.6; II Tm 4.11; Ef 3.7; Fp
1.1; 2.7 e 1 Ts 3.2.
O servo em relação a si mesmo no original é
huperetes; e está relacionado ao desempenho do diakonos. Huperetes designava
nas embarcações comerciais da época, o remador escravo, da terceira fileira de
remadores (a última, de cima para baixo) nos navios trirremes. O trabalho dos
huperetes não era visto, por ficar ele muito abaixo, na embarcação. Seu
trabalho era humilde, pesado, mourejante e requeria o máximo das forças desses
trabalhadores. O termo huperetes aparece em relação a servo
em Mateus 26.58; Lucas 4.20; Atos 26.16; Coríntios 4.1 e Marcos 15.54,65.
O servo em relação ao povo em geral é o crente
como servo de Deus em relação à sua congregação. Trata-se de leitourgeo,
como aparece em Atos 13.2; 9.21; Romanos 15.16 e Filipenses 2.17. Daí vem o
nosso "liturgia", ligado ao culto coletivo cristão. Portanto,
leitourgeo é o crente como servo em relação ao culto religioso.
O servo e seu culto pessoal é latreuo e está relacionado
à sua adoração a Deus. Desse termo vem latria (adoração). Latria no original
aparece em Lucas 2.37; Atos 27.23 e II Timóteo 1.3.
O servo como uma pessoa do lar é oiketes,
relacionado a doulos, mas voltado para a família. Crente como servo de Deus,
há mais de um, mas, como filho, não. Deus não tem afilhados, prediletos,
favoritos. Que tipo de servo somos nós?
Em Lucas 17.10 Jesus nos instruiu que após fazermos
tudo o que nos for ordenado, devemos considerar-nos como servos inúteis
(diakonos, no original). Sem qualquer méritos em nós mesmos. Noutras palavras:
Deus nunca será nosso devedor. Nós é que devemos tudo a Ele. O termo
"inútil" corresponde a "desprovido de mérito adquirido".
Devemos tanto a Deus, que na execução do seu
trabalho, seja ele qual for, nunca iremos além do nosso dever; nunca
atingiremos a área do mérito. Para servimos a Deus, é Dele mesmo que nos vem a
graça, capacidade, dons e recursos. Mesmo que façamos o melhor, estaremos
sempre em falta com Ele.
O crente não será julgado diante de Deus como filho
(quanto a salvação), mas como servo (quanto a serviços, obras). O crente como
filho deve julgar-se a si mesmo, através da Palavra (I Co 11.31-32). Nesse
julgamento prestaremos contas de nosso tempo, liberdade cristã, responsabilidade
e talentos recebidos de Deus. Quase todo crente pensa que no dia do julgamento
da Igreja haverá somente galardões de Jesus para os seus, mas não é bem isso
que a Bíblia revela, se examinarmos o assunto com mais cuidado.
Fomos graciosamente resgatados da miserável
servidão do pecado, por preço incalculável, o do sangue precioso de Jesus, (I
Pd 1.18-19). Somos para sempre devedores a Deus e temos que nos render
voluntária e plenamente a Ele como Redentor. Por nossa plena submissão como
servos é que desfrutamos da verdadeira liberdade espiritual (Ef 6.6).
Essa elevada posição será eterna na glória
celestial, enquanto aqui, cargos e posições como pastor, presidente da igreja,
gerente, diretor, administrador, professor, dirigente, muda de vez em quando.
No céu, conforme Apocalipse 22.3, não seremos
conhecidos como diácono, presbítero, evangelista, pastor, escritor, cantor,
bispo etc, mas como servos. "E nela estará o trono de Deus e do Cordeiro,
e os seus servos o servirão".